quinta-feira, 7 de maio de 2009

Bilhete de identidade


toma nota:
eu sou árabe
e o número do meu BI é cinquenta mil
e os meus filhos são oito
e o nono chegará depois do verão
.
e então, isso aborrece-te?

toma nota:

eu sou árabe

e trabalho com um bando de operários numa pedreira

e os meus filhos são oito
.
trago-lhes das pedras uma
fatia de pão,
e roupas e cadernos
e não peço caridade à tua porta

e não me encolho
na tijoleira da tuas entradas.
e então, isso aborrece-te?

toma nota:

eu sou árabe,

eu sou um nome sem título,

paciente num país onde todos
vivem em convulsões de fúria.
as minhas raízes

rasgaram a terra antes do nascer dos tempos
e antes do abrir das eras
e antes do cipreste e da oliveira
e antes do despontar da erva.

o meu pai é da família do arado,

não de grandes senhores,
e o meu avô era lavrador,

sem educação, sem linhagem.

educa-me o assomar do sol antes da leitura dos livros,

e a minha casa é a barraca do caseiro,
feita de galhos e de canas.
e então, agrada-te a minha condição?

eu sou um nome sem título!

toma nota:
eu sou árabe
e a cor do meu cabelo é negra cor de carvão
e a cor dos meus olhos é castanha.
e os meus sinais particulares são
sobre a cabeça um cordão em cima de uma cúfia,
e a palma das minhas mãos rija como um penedo
arranha ao toque.
e a minha morada:
eu sou de uma aldeia perdida, esquecida
de ruas sem nome,
e os seus homens estão todos no campo e na pedreira.
e então, isso aborrece-te?

toma nota:
eu sou árabe

tu roubaste os pomares dos meus avós

e a terra que lavrei

eu e os meus filhos todos,
e não nos deixaste nada, nem a nenhum dos meus netos,

senão estes penedos.
pois vai o vosso governo
levá-los, como se diz?

portanto

toma nota

à cabeça da primeira página:

eu não odeio os homens

e não ataco ninguém
,
mas se tiver fome

como a carne do meu usurpador.

cuidado
cuidado

com a minha fome
e com a minha fúria.


Mahmûd Darwîsh
Tradução: André Simões
بِطاقَة هُوِيَة

سَجِّلْ!
أنا عَرَبِيٌ
وَرَقْمُ بِطَاقَتِي خَمْسُونَ أَلْف
وَأَطْفَالِي ثَمَانِيَّةٌ
وَتَاسِعُهُمْ.. سَيَأَتِي بَعْدَ صَيف!
فَهَلْ تَغْضَب؟

سَجِّلْ!
أنا عَرَبِيّ
وأَعْمَلُ مَعَ رِفَاقِ الْكَدْحِ في مَحْجَر
وأَطْفَالِي ثَمَانِيَّة
أَسُلُّ لَهُمْ رَغِيفَ الْخُبْز،
وَالْأَثْوَابَ والدَّفْتَر
مِنَ الصَّخْر
وَلا أَتَوَسَّلُ الصّدَقاتِ مِنَ بَابِك
وَلا أَصْغَر
أَمامَ بَلاطِ أَعْتابِك
فَهَل تَغْضَب؟

سَجِّلْ!
أنا عَرَبِيّ
أنا اِسْمٌ بِلا لَقَب
صَبورٌ في بِلادٍ كُلُّ ما فيها
يَعِيشُ بِفَوْرَةِ الْغَضَب
جُذُورِي...
قَبْلَ مِيلادِ الزَّمانِ رَسَت
وَقَبْلَ تَفَتَّحِ الْحِقَب
وَقَبْلَ السّرْوِ وَالزَّيتُون
وَقَبْلَ تَرَعْرُعِ الْعُشْبِ

أَبِي.. مِنْ أُسْرَةِ الْمِحْراث
لا مِنْ سَادَةٍ نُجُب
وجَدِّي كَانَ فَلّاحاً
بِلا حَسَبٍ.. وَلا نَسَب!
يُعُلّمُني شُمُوخَ الشَّمْسِ قَبْلَ قَراءَةِ الْكُتُب
وَبَيتِي كُوخُ ناطور
مِنَ الْأَعوادِ وَالْقَصَب
فَهَل تُرْضِيكَ مَنْزِلَتِي؟
أنا اِسْمٌ بِلا لَقب!

سَجِّلْ!
أنا عَرَبِيّ
وَلَونُ الشعرِ.. فَحْمِيّ
وَلَونُ العَينِ.. بُنِّيّ
وميزاتي:
على رَأِسِي عِقالٌ فَوقَ كُوفِيّة
وكَفِّي صُلْبَةٌ كَالصَّخْر
تخَمِشُ مِنْ يَلامَسَها
وَعُنواني:
أنا مِن قَريةٍ عَزْلاءَ مَنْسِيَّة
شوارعُها بلا أسماء
وكُلُّ رِجالِها في الْحَقْلِ وَالْمَحْجَر
فَهَل تَغْضَب؟

سَجِّلْ!
أنا عَرَبِيّ
سَلَبْتَ كُرُومَ أَجْدادي
وَأَرْضاً كُنْتُ أَفْلَحُها
أنا وَجَمِيعُ أَولادي
وَلَمْ تَتْرُكْ لَنا.. وَلِكُلِّ أحْفادي
سِوى هذي الصَّخُور..
فَهَل سَتَأْخُذُها
حُكُومْتُكمْ.. كَما قِيلا؟

إذَنْ!
سَجِّلْ بِرَأِسِ الصَّفْحِةِ الْأَولى
أنا لا أَكْرَهُ النَّاس
ولا أسْطُو عَلى أَحَدٍ
وَلَكِنِّي.. إذا ما جُعْت
آكُلُ لَحْمَ مُغْتَصِبي
حَذارِ..
حَذارِ..
مِنْ جُوعي
وَمِنْ غَضَبي