quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O abandono


vi-a
vi-a no centro da cidade
vi-a sangrando no centro da cidade
vi-a tombando no centro da cidade
vi-a morta no centro da cidade
vi-a vi-a
e quando alguém gritou
- quem é o respondável por ela?
ignorei-a
ignorei-a no centro da cidade
ignorei-a sangrando no centro da cidade
ignorei-a tombando no centro da cidade
ignorei-a morta no centro da cidade
ignorei-a

Samîḥ al-Qâsim

Tradução: André Simões
Revisão: Nádia Bentahar
التخلي

رأيتها،
رأيتها.. في ساحة المدينة
رأيتها نازِفة.. في ساحة المدينة
رأيتحا مائلة.. في ساحة المدينة
رأيتها مقتولة.. في ساحة المدينة
رأيتها.. رأيتها..
وحين شاح:
من وليّ أمرها؟
أنكرتها
أنكرتها في ساحة المدينة
أنكرتها.. نازفة في ساحة المدينة
أنكرتها.. مائلة.. في ساحة المدينة
أنكرتها مقتولة.. في ساحة المدينة
أنكرتها

Nota
O original árabe diz "na praça da cidade", no final de cada verso. Isto é, na praça central. Na tradução colocavam-se-me à partida duas opções: ou mantinha a tradução literal, e a polissemia de "praça" em português poderia trazer problemas de compreensão; ou escolhia uma versão analítica, "na praça central da cidade", solução que me parece prejudicaria o ritmo e a eufonia do poema. Assim, optei por uma terceira solução: "no centro da cidade", que se não é uma tradução literal, porém respeita fielmente o sentido do poema.

domingo, 23 de novembro de 2008

Aflição (um sonho)


chegaram
entraram em casa despidos
cavaram um buraco
enterraram as crianças e partiram

Adónis (Adûnis)

Tradução: André Simões

Revisão: Nádia Bentahar
هم
(حلم)

جاؤوا
دخلوا البيت عراة
حفروا
طمروا الأطفال، وعادوا

sábado, 22 de novembro de 2008

O minarete


o minarete chorou
quando o estrangeiro chegou. Ele comprou-o
e pôs-lhe em cima uma chaminé.

Adónis (Adûnis)

Tradução: André Simões

المئذنة

بكت المئذنة
حين جاء الغريب - اشتراها
وبنى فوقها مدخنة

domingo, 16 de novembro de 2008

Nasço e ardo no meu amor . 5


5
exilado na minha memória
trancado em palavras
fujo debaixo da chuva

Abd al-Wahâb al-Bayyâtî
Tradução: André Simões

٥
منفياً في ذاكرتي
محبوساً في الكلمات
أشرد تحت الأمطار


Nota
Estes 3 versos são uma secção do poema narrativo Nasço e ardo no meu amor(أولد وأحترق بحبي), do livro A Lua de Xiraz (قمر شيراز), publicado em 1975.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Os lábios cortados

Porta





queria que me ouvissem
contar uma história de um rouxinol morto
queria que me ouvissem
contar uma história
se não me tivessem
cortado os lábios

Samîḥ al-Qâsim

Tradução: André Simões
Revisão: Nádia Bentahar

الشفة المقصوصة

كان في ودي أن أسمعكم
قصة عن عندليب ميت
كان في ودي أن أسمعكم
..قصة
لو لم يقصوا شفتي

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Eternidade


mudam-se as folhas de tempos a tempos
mas o tronco do carvalho...

Samîḥ al-Qâsim

Tradução: André Simões

تتبدل الأوراق من آن لآن
لكن جذع السنديان

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Cansaço


Amor/Eshgh - graffito persa por A1one
entorno-me nas areias dos teus seios cansado
como um miúdo que não dorme desde que nasceu

Nizâr Qabbânî

Tradução: André Simões

أتكوَّمُ على رمال نَهْدَيكِ مُتْعَباً
كطفلٍ لم يَنَم منذُ ولادتِهْ

domingo, 9 de novembro de 2008

A janela


não sobrou nada:
só a ferida da memória.
e o ponto de encontro
e o cheiro das folhas em livros usados.

da janela:
uma canção entoa um amor antigo.

Como se fosse escrever o livro dos mortos -
torna-se a noite no seu costume.

Como se para brincar com uma tristeza que o acompanha -
dança sozinho na noite.

Hassan Najmi

Tradução: André Simões
Revisão: Nádia Bentahar
النافذة

لم يبق شيء:
جرح الذكرى فقط.
ومكان اللقاء.
ورائحة الورق في كتب مستعملة.

من النافذة:
صوت أغنية حب قديم.

كأنما سيكتب كتاب الموتى -
صار الليل عادته.

كأنما ليداعب حزنا يرافقه -
يرقص وحيدا، في الليل

sábado, 8 de novembro de 2008

Lamento


Depois de Roma ter ardido
e de tu teres ardido com ela
não esperes de mim
que te escreva um poema para te chorar
eu não estou acostumado
a chorar pássaros mortos

Nizâr Qabbânî

Tradução: André Simões
Revisão: Nádia Bentahar
بَعْدَما احْترقَتْ رُوما
واحْتَرقْتِ مَعَها..
لا تَنْتَظري مِنّي
أن أكتُبَ فيكِ قصيدةَ رثاءْ
فما تعوُّرتُ،
أن أرثيَ العصافيرَ الميِّتة

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Navegação


navegação

eu e o mar aqui
... e o teu respirar
num telemóvel
... leva-me
para lá
uma vela,
sem bússola,
e o horizonte os teus olhos...

Fatiha Morchid

Tradução: André Simões

Revisão: Nádia Bentahar
إبحار

أنا والبحر هنا
... وأنفاسك
عبر هاتف محمول
... تحملني
هناك
شراعا،
بلا بوصلة
والأفق عيناك

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Um recadinho


um recadinho
vou ao mercadopeço-te que me esperes aqui até eu voltar
podes lavar a tua roupa se te sentires aborrecido
e se a porta te perturbar
então arranca-a
e põe qualquer coisa no seu lugar
peço-te que não deixes a tua cara no espelho
e não saias pela janela
não te mates como é teu costume
mas
espera-me
aqui
até
eu voltar

Ahmed Barakat

Tradução: André Simões

Revisão: Nádia Bentahar
كلمة صغيرة

أنا ذاهب إلي السوق
أرجوك انتظرني هنا حتى أرجع
يمكنك أن تغسل ملابسك إذا شعرت بالضجر
وإذا ضايقك الباب
فاخلعه
وضع مكانه أي شيء
أرجوك لا تترك وجهك في المرآة
وتغادر من النافذة
لا تنتحر كعادتك
لكن

انتظرني
هنا
حتى
أرجع

sábado, 1 de novembro de 2008

Desespero

desespero

ao pôr do Sol
amanhece-lhe o dia
já não lhe importa
quem
lhe
montará
o cavalo

pronta para morrer

Fatiha Morchid

Tradução: André Simões
Revisão: Nádia Bentahar
يأس

مع الغروب
يبزغ نهارها
ما عاد يهمها
من سيكون
هذا الذي
يمتطي
جوادها

جاهزة لموتها

Salmo 3

[Trabalho sobre caligrafia árabe, de Samîr Malik]

salmo 3

no dia em que as minhas palavras foram
terra
fui amigo de espigas de trigo

no dia em que as minhas palavras foram
fúria
fui amigo de grilhões

no dia em que as minhas palavras foram
pedra
fui amigo de arroios

no dia em que as minhas palavras foram
revolta
fui amigo de terramotos

no dia em que as minhas palavras foram
cabaças azedas
fui amigo do optimisma

quando as minhas palavras se tornaram
mel
as moscas cobriram-me
os lábios

Mahmûd Darwîsh

Tra
dução: André Simões
يوم كانت كلماتي
تربة ..
نت صديقا للسنابل
يوم كانت كلماتي
غضبا..
كنت صديقا للسلاسل
يوم كانت كلماتي
حجرا..
كنت صديقا للجداول .
يوم كانت كلماتي
ثورة ..
كنت صديقا للزلازل
يوم كانت كلماتي
حنظلا ..
كنت صديق المتفائل
حين صارت كلماتي
عسلا..
غطّى الذباب
شفتي!..